Lembro como se fosse ontem, eu um menino de branco atrasado e arfando a caminho da escola, era noite e estava atrasado para a formatura da escola fundamental adventista, uma menina mais velha passou por mim de bike e me levou de carona. Nunca soube quem foi, mas me sinto sendo levado de carona até hoje. Foi assim quando eu quis ser vegetariano e minha amiga Neri me ajudou; ela também foi a primeira pessoa que pedalou comigo até a cidade de Chapada dos Guimarães, 65 km para ir e 65 para voltar. Foi assim também quando participei do ensaio de formatura da sobrinha de minha esposa que entrara em Letras quando eu já cursava filosofia e se formava bem antes de mim; a admiração pelos esforços dela, junto com sua família, fez cair em mim a ficha de que eu deveria correr e me formar.
Admirar o feminismo, no entanto não me faz um feminista, mas ao menos me coloca em meu lugar. E talvez seja isso o que esteja faltando no mundo, que nos coloquemos em nossos lugares, que aceitemos que os lugares vagos sejam assim por algum motivo, e que os lugares que pedem capacidade e eficácia sejam ocupados por quem possui tais qualidades. Nisso sou como Thoreau que disse confiar que “ninguém há de forçar as costuras ao vestir um casaco, pois pode ser de utilidade em quem nele couber”. É uma mudança de mentalidade, não de gênero, que precisamos, e urgente, para que este mundo possa ter alguma esperança.
Ao longo da obra de Borges, a ideia da biblioteca universal transforma-se em outras representações do universo autorreferencial; “Meus livros (que não sabem que eu existo)/ São tão parte de mim como este rosto” são os primeiros versos do poema “Meus livros” (A rosa profunda). Testemunha desse universo, o leitor, ansioso para pôr sua experiência em palavras, percebe ser redundante a tarefa que se propõe: a biblioteca (livro, mapa, enciclopédia) já existe e é o próprio mundo.
Borges babilônico: Uma enciclopédia (Schwartz (Org.), Jorge)
Esta acontecendo uma discussão pública a respeito de taxação, a Reforma Tributária, tão necessária e tão aguardada, e é óbvio que devemos nos engajar. Uma das proposições em disputa é a taxação de livros com uma taxa de 12%; ora a taxação aos bancos nesta mesma proposta não chega a seis pontos percentuais, o que realmente traz indignação, mas que tem sua razão de ser (manter privilégios entre eles, mas também evitar evasão de riquezas, etc.). Eu estava lendo Laura Carvalho à luz desta emergência, o que abriu minha opinião para as várias opções possíveis que temos neste momento, que é um momento único e agravado pela pandemia.
A pandemia provoca um curto-circuito macroeconômico, pois o distanciamento entre produtores e consumidores transforma-se em choque negativo tanto para a oferta quanto para a demanda. Tudo ao mesmo tempo. Carvalho, Laura. Curto-circuito (Coleção 2020) (p. 12). Todavia. Edição do Kindle.
A economia é, a grosso modo, o estudo dos incentivos, e a economia do Brasil vêm precisando muito de incentivos. Não de agora, mas em 2019 tivemos um dos piores PIBS dos últimos três anos, e com o fim de salvar vidas muito mais tem sido gasto. Carvalho vai apontar como os gastos foram feitos nessa pandemia, o que, em sua análise, só aponta um endividamento das nações que já vinha ocorrendo no mundo todo e que piorou com a Pandemia. Segundo ela, o Estado ganhou nova proeminência nesse momento de crise; ela aponta cinco facetas que o Estado adquire à luz da crise e também como o Estado poderia aos poucos salvar vidas e retomar o crescimento; porque é de salvar vidas que se fala, afinal, quando se sai do árido campo dos números e estatísticas.
Daí que não liguei tanto para a questão da taxação dos livros; afinal, temos problemas bem mais urgentes para resolver e o Estado está se endividando. Eu entendo, também, que é um projeto de desmonte da educação que temos passado, mas isso, que já vem de longa data, não vai mudar com essa taxa (o ministério da defesa esta ganhando mais verba que a educação, e a verba prevista para saúde ao invés de aumentar, diminui). Isso também não diminui meu amor pelos livros senão o aumenta, afinal só pude mudar de opinião mediante a leitura de um. E no fim das contas, é nisso que se resume a questão para mim: se é ruim que um livro bom que poderia ajudar tantas pessoas vai ficar mais caro e menos acessível, por outro lado, as pessoas vão pensar duas vezes antes de gastar dinheiro com mais um livro de autoajuda pop com palavrão na capa.