E não parece que vai se arrumar tão cedo.
Quem assistiu Bacurau ou Parasite sabe do que estou falando. O projeto neoliberal nunca esteve tão perto desde o governo FHC. O fascismo e o capitalismo nunca foram tão próximos e somos nós quem o alimentamos. O sentimento é de completa falência do que é remotamente humano. Como diz Harari em Sapiens, o mundo só pode ser gerido por capitalistas — e para capitalistas. Ouvindo o último episódio do Viracasacas Podcast ontem, eu consegui vislumbrar a racionalização que tomou conta de nossa sociedade: o governo governa para ricos e para os pobres é uberização e religião.
Aliás, só podemos falar de resistência se não estivermos resistindo. A Ressonância, que na teoria da comunicação preconiza que se uma coisa não for polêmica o suficiente ninguém dará bola, entra aqui. Mais ainda: se uma coisa for muito ressonante — isto é, algo que todo mundo concorda, não se falará dela em momento algum. “Ressonância é a capacidade que uma mensagem tem de gerar debate a respeito de si mesma (…). Se encontramos um estranho no ponto de ônibus e nos sentimos dispostos a puxar papo sobre um determinado tema, é porque o tema tem ressonância” (Brasil, Meteoro. “Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota”. Ed. Planeta). Para alguém como eu estar escrevendo artigos contra o capitalismo deve ser por que de alguma forma uma parte minha já foi consumida pelo mesmo movimento que eu critico.
Quando uma coisa é “onipresente”, no sentido de que não suscita crítica, ela deixa de ser encontrada. A direita brasileira, com seus filósofos fajutos sabe disso, e se aproveita de uma miríade de teorias conspiratórias para esconder o fato ululante de que é preciso diminuir, se não der para parar, o ritmo frenético de destruição que o capitalismo está fazendo em tantos níveis diferentes. Usar a filosofia para esconder a verdade é uma novidade surpreendente: quem suspeitaria de procurar ali? Mais importante de se perguntar ainda: vale a pena destruir ela por dinheiro? Pois é essa só mais uma das consequências, junto com a destruição da ciência e de todo tipo de intelectualismo.
Nisso tanto as neopentecostais quando alguns representantes da igreja católica estão de acordo — por trás de uma defesa de valores cristãos se esconde uma guerrilha contra tudo que é diferente. Os neofascistas como Fauzi descobriram isso rápido e já começam a dar sinais de suas intenções. Se hoje atacam uma produtora de vídeos e terreiros de candomblé o que podemos esperar amanhã? Nem todos os cristãos são fascistas mas aqueles que o são são os que mais assustam. “Para alcançar a ressonância, é necessário estar naquele ponto central da régua imaginária da legitimidade. Em síntese, é preciso ser polarizador” (Idem).
E eu me incluo nessa crítica. Eu ainda sou um consumidor, no sentido mais niilista do termo. Preso a circuitos de desejo e satisfação inalcançável, eu tenho estado comprando coisas somente por comprar e criando desculpas para acumular coisas que nem preciso. Consumindo para suprir ausências que nenhum tipo de coisa pode suprir — e perdendo mais coisas insubstituíveis no processo.
Só nos últimos seis meses comprei 111 livros. Isso se soma a outros 350 que tenho na biblioteca e que devo passar o resto da vida lendo se quiser transformar o gasto em investimento — e isso é quase impossível porque se por um lado eu amo ler, por outro eu tenho uma compulsão inerente de começar coisas novas e largar outras — e muita coisas não devem ser levada à cabo apenas pela obrigação de fazê-las — incluindo livros ruins. E estou apenas exemplificando.
Também, eu estou sem falar com meu pai desde junho do ano passado após uma discussão que nem me lembro o que disse porque estava muito bêbado — é como se eu o houvesse perdido de vez. Isso somado à perda de meu pai de genes há quase dois anos torna a coisa toda insuportável. Minha situação financeira nunca foi melhor do que agora e ainda assim eu me sinto como um sanguessuga — não nasci para ser aristocrata por mais que eu tente fingir que sim. Discuti semana passada com meus amigos por causa de “falta de respeito” quando a insolência é o que eu mais admiro neles. Busco essência em tudo o que faço mas isso acaba sempre em becos sem saídas e procrastinação universal. E sozinho. Não porque não há ninguém por perto, mas porque não consigo encontrar ninguém por mais próximo que esteja.
Se a Resistência vai de alguma maneira me salvar — e não é isso que eu espero mas é isso que tenho no momento, e não estou certo de que isso se aplique a todos embora eu ache que sim, senão porque estaria escrevendo aqui?— deve ser naquilo que me julgo mais independente — nunca perdemos tudo quando ainda temos esperança. Buscando melhores relacionamentos com as pessoas que eu gosto e mais consciência de classe e meu lugar no mundo pode ser a única maneira de sair deste cenário onde estou em todos os lugares e por isso mesmo não me encontro em lugar nenhum.