ele tinha que pagar pouco. Ao lado da crise sanitária a crise política, como um filho do meio, faz de tudo para chamar a atenção. Se a meta é não cair em cinismo, o obstáculo são as notícias, os políticos e a epidemia.
Se ao menos houvesse minha avó comigo. Se ao menos eu pudesse me despedir do Vitor. Se ao menos o presidente renunciasse. Mas não, claro que não. A vida não para e não espera por condições favoráveis. Os tempos são férteis para especulação, mas quem disse que isso é bom? Como diz uma antiga maldição chinesa: “que você viva em tempos interessantes”.
Alguém ainda vai estudar, talvez 50 anos no futuro, o período de necropolítica que estamos vivendo. Um período onde alguém pode dizer “e daí” para estatísticas de mortos diários quando a conta está diretamente ligada para as medidas de prevenção que essa pessoa não tomou. Agora estudam passaportes de imunidade para garantir que algumas pessoas podem ir e vir livremente para trabalhar e assim girar a economia — uma ideia tão perigosa quanto a de vender um remédio milagroso que ainda não foi testado ou comprovado.
Bill Hammond - Bone Yard Open Home, Cave Painting 4, Convocation of Eagles 2008. Acrylic on canvas. Courtesy of the artist and McLeavey Gallery
Mas, ao que parece, o charlatanismo e o apego ao pensamento mágico vêm de longe. Em tempos de epidemia, como aprendi jogando o cenário da “Peste Negra” no Civilization VI, surgem amiúde receitas mágicas e poções milagrosas. Assistindo Contágio, filme de 2011, aprendi que o medo e a paranoia são mais transmissíveis que qualquer vírus. O personagem de Jude Law, que o diga, com aquela sua cloroquina ineficaz vendendo igual água.
Alguém diria que deveríamos apostar na resiliência humana antes de desesperar. Que já passamos por coisa pior, que sempre nos levantamos. E de fato haverão sobreviventes e trabalho, coisa que nunca faltou, na verdade. No entanto basta observar as nossas escolhas no processo de crise, as famílias sendo desapropriadas — sendo jogadas na rua quando tem uma epidemia ocorrendo. Ou a decisão no Pará de considerar empregadas domésticas como atividade essencial quando todo mundo deveria ficar em casa cuidando da sua vida (aparentemente algumas dondocas não podem cuidar das suas sem ajuda). Se estamos fazendo isso agora, que mundo haveremos de deixar quando isso passar? Porque vai passar, certamente que vai.
Ao contrário do que parece pelas falas de nossos políticos, não existe apenas uma religião no mundo, a cristã. Ainda assim, essa é a mais conhecida a pregar que um dia o mundo vai acabar, donde virá Jesus para separar os justos dos injustos. Ao contrário do Budismo e outras religiões filosóficas de apreço cósmico, o Cristianismo (junto do ocidente como um todo) tem um senso de progresso e de finalidade, donde se originaria a motivação primordial para guerras e invasões, mas não só isso. Justifica missionarismo e catequização de povos isolados também, e, de certa forma, quando mal interpretadas por políticos com apelo autoritário e fascistas, políticas de segregação e eliminação pelo descaso. Como se os fins justificassem os meios, o apocalipse dos pobres e despauperados já começou, e isso, como sempre, vai ficar na conta de Deus.